ARDHANARI (dançando sobre Maya fragmentada)
Esta obra contém simbolismo e chaves de interpretação que estão enraizadas em estudos de viés teosófico, filosófico e textos sagrados. Para compreendê-las mais profundamente, é necessário mergulhar nesses conhecimentos, explorando conceitos espirituais e metafísicos presentes em tradições universais. Estás convidado à explorar com curiosidade e abertura, pois cada detalhe possui camadas de significado que vão além da superfície.
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"No princípio, este Ser era indivisível. Quando se dividiu, tornou-se dois: masculino e feminino. E dessa união, tudo o que existe foi gerado. Mesmo assim, ele permanece Uno, pois não há separação na essência do Ser."
| Brihadaranyaka Upanishad (1.4.3-4) |
Ardhanarishvara, ou Ardhanari, é uma das manifestações mais profundas e simbólicas no Hinduísmo, representando a integração perfeita do masculino e do feminino como forças complementares do universo. O nome "Ardhanarishvara" significa literalmente "Senhor metade mulher" (Ardha = metade, Nari = mulher, Ishvara = senhor). Esta figura une o deus Shiva com sua consorte, Parvati (ou Shakti), em um único corpo, simbolizando que ambos são indispensáveis para a criação e sustentação do cosmos. Ardhanarishvara demonstra a reconciliação da dualidade (masculino-feminino, ativo-passivo, espírito-matéria) na unidade primordial. Sob as chaves exotéricas, psicológicas e antroposóficas, podemos compreender melhor esses aspectos quando aplicados à nossa consciência e percepção do mundo manifestado.
“A matéria e o espírito são apenas os dois polos de uma mesma substância universal, o Absoluto, que é a realidade única. Tudo o que percebemos como separado é apenas o reflexo dessa Unidade nas lentes distorcidas de Maya.”
| Ísis sem Véu - (Volume. I) |
A figura de Ardhanarishvara simboliza a unidade dentro da dualidade e está profundamente conectada à noção de Maya, a ilusão do mundo manifesto. Essa representação divina, unindo Shiva e Shakti em um corpo único, ensina que a aparente separação entre masculino e feminino, ativo e passivo, espírito e matéria, é uma ilusão criada por Maya. Embora esses elementos pareçam opostos, são, na verdade, inseparáveis e partes de uma única realidade subjacente.
O mundo manifesto apresenta a diversidade como se fosse a realidade última, mas Ardhanarishvara revela que essa multiplicidade é uma expressão temporária de uma essência única. Transcender Maya significa compreender que todas as aparentes dualidades são expressões de uma unidade divina. Sob a ótica da espiritualidade, a contemplação dessa figura nos lembra que a verdadeira liberdade advém da integração das polaridades internas e externas, dissolvendo as ilusões de separação.
Na Teosofia, o universo manifesto é visto como uma expressão da consciência divina em diferentes planos. Ardhanarishvara ilustra a necessidade de equilibrar as energias masculina e feminina dentro de si mesmo, integrando-as para transcender a dualidade e alcançar um estado de consciência universal. Assim, a representação dessa figura divina reflete o caminho espiritual que conduz à realização da unidade divina, ou plano búdico.
“E eis o que são as paixões do mundo: rotações e desaparições. Ora, a rotação é a revolução, e a desaparição é renovação... Os contrários ao mesmo tempo se diferenciam e se unem; e a partir de sua diferença surge a harmonia de todas as coisas.”
| XI Discurso de Nóus a Hermes - Corpus Hermeticum |
Sob a ótica da Teosofia, Ardhanarishvara pode ser interpretado como a representação da dualidade essencial que compõe o mundo manifestado, refletindo o princípio hermético da polaridade: todas as coisas possuem dois polos que, embora aparentem oposição, são complementares e interdependentes. A união de Shiva e Shakti transcende a ilusão de separação entre os opostos, demonstrando que masculino e feminino são expressões de uma mesma essência divina. Essa unidade subjacente reflete o ideal teosófico de compreender a realidade espiritual além das divisões aparentes.
Maya, ao projetar a ilusão da separatividade, faz com que os seres percebam as polaridades como desconectadas. No entanto, Ardhanarishvara aponta algo sutíl: a dualidade é apenas um aspecto da manifestação, não da essência. Essa representação convida à transcendência, revelando que a verdadeira realidade está na unidade fundamental que sustenta o cosmos. Assim, Ardhanarishvara alinha-se aos princípios hermético e teosófico, mostrando que a integração das polaridades pode vir a ser o caminho para a iluminação espiritual.
No contexto teosófico e psicofilosófico, isso pode ser entendido em três estágios:
Pensamento normal-regular, que representa o funcionamento mental ordinário, onde o pensamento é conduzido pela análise linear e pela memória. Não há esforço para transcender os modelos mentais herdados.
O próximo estágio pode ser compreendido como percepção volitiva, destacando o poder da intenção na formação da experiência subjetiva. Envolve práticas como meditação, visualização e reflexão para cultivar uma percepção mais alinhada com a vontade interna, permitindo maior autonomia frente às condições externas.
O estágio mais elevado é a apercepção espiritual, que pode ser entendida como um estado de "insight pleno" ou "sabedoria instintiva", resultante de um processo interno de harmonização e equilíbrio psicológico. Nesse estágio, o indivíduo percebe a unidade subjacente à sua própria experiência.
Essa abordagem enfatiza o papel da prática individual e da reflexão crítica, destacando o processo de amadurecimento psíquico como um fenômeno autossuficiente e intrínseco ao ser humano.
“O movimento do pêndulo manifesta-se em tudo, a medida de sua oscilção para a direita é a medida de oscilção para a esquerda, o rítmo ajusta e equilibra.”
| Axiomas Herméticos - Caibalion |
O conceito do pêndulo, aplicado à perspectiva hermética reflete a oscilação constante entre os polos opostos que regem a experiência humana. Quando o pêndulo rotaciona próximo à base, ele é fortemente influenciado pelos extremos do conflito interno, alternando entre excessos emocionais, crenças rígidas ou pensamentos desarmônicos. Esses estados representam uma consciência fragmentada, identificada com as polaridades do mundo manifestado e distante da harmonia.
À medida que o pêndulo se eleva em direção ao centro, alcança-se um estado intermediário, onde as polaridades começam a se equilibrar, permitindo uma experiência mais clara e serena. O objetivo final é transcender completamente as dualidades, alcançando um estado de consciência superior alinhado à ideação divina. Nesse estado, a mente não é mais governada pela oscilação, mas reside no centro fixo, representando a unidade do ser. Esse movimento reflete o trabalho espiritual necessário para superar Maya e conectar-se à realidade divina
"O Um torna-se Dois, o Dois torna-se Três, e do Três emana o Quatro, que é a forma sagrada; assim o Todo reflete a Unidade divina em sua manifestação."
| Doutrina Secreta - Vol 1. Cosmogenese |
O número 4 (Tetraktys), sob a ótica pitagórica, representa a estruturação completa da manifestação, onde os elementos essenciais do cosmos estão organizados em harmonia. Ele simboliza o mundo manifestado, a base sólida sobre a qual a existência se desenrola, mas também o campo em que a polaridade opera de forma mais evidente. No princípio hermético da polaridade, é no "quatro" que as forças opostas, como luz e escuridão, positivo e negativo, se manifestam plenamente e exercem seu fluxo e força. Dentro da circunferência representada pelo π (Pi), o número 4 pode ser associado ao ponto em que as energias opostas encontram equilíbrio dinâmico, sustentando o movimento circular que mantém a criação em constante evolução.
A partir do 4, emerge o número 3 (Tríade), que simboliza a integração das polaridades e o princípio do equilíbrio. Enquanto o 4 representa a base material onde os opostos interagem, o 3 reflete a consciência que reconhece e harmoniza esses opostos, elevando-se acima da separação para buscar unidade. Dentro do π, a Tríade está presente na relação entre o círculo (unidade) e seus elementos constitutivos, indicando o equilíbrio necessário para a criação e o movimento contínuo. Da mesma forma, o número 2 (Díade) surge como a expressão da polaridade em sua forma mais pura, introduzindo a separação e o contraste, essenciais para a manifestação, mas também representativos da ilusão dualista de Maya.
Finalmente, no coração do π e de toda manifestação, está o número 1 (Mônada), a unidade primordial que transcende a dualidade. Ele é o princípio que contém em si o potencial de todos os números e formas, sendo a fonte de onde tudo emerge e para onde tudo retorna. Assim, o fluxo da polaridade dentro do π reflete o movimento contínuo que emerge da unidade (1), desdobra-se na dualidade (2), alcança harmonia na síntese (3) e finalmente se manifesta como a estrutura completa da criação (4). Essa jornada, presente tanto no simbolismo pitagórico quanto no hermetismo, revela que o verdadeiro propósito do movimento polar é retornar à unidade divina, transcender a ilusão de Maya e reconhecer o infinito contido na circunferência do Todo.
“O TAO gera o Um, o Um gera o Dois. O Dois gera o Três, o Três gera todas as coisas.
Atrás de todas as coisas há escuridão e elas tendem para a luz,
E o fluxo da força dá-lhes a harmonia.”
| 42º Aforismo - Tao Te King |
O TAO, como o Absoluto, representa a fonte inominável e incognoscível de onde tudo surge, equivalente à Mônada (1) na filosofia pitagórica e à Unidade primordial na Teosofia. Dessa Unidade emerge a Díade (2), que simboliza a polaridade — a separação inicial que cria os opostos fundamentais necessários para a manifestação. A Tríade (3), então, surge como o princípio de equilíbrio e harmonia entre esses opostos, permitindo o fluxo criativo que gera "todas as coisas", ou seja, a Tetraktys (4), a base estrutural do universo manifestado.
A segunda parte do aforismo, “Atrás de todas as coisas há escuridão e elas tendem para a luz, e o fluxo da força dá-lhes a harmonia”, reflete a dinâmica do princípio hermético da polaridade dentro da manifestação. A escuridão representa a potencialidade latente da Díade, a dualidade de luz e sombra inerente à criação. A tendência para a luz simboliza o impulso universal de transcendência e retorno à Unidade divina (o TAO ou a Mônada). O "fluxo da força" que harmoniza todas as coisas é o mesmo equilíbrio descrito no movimento do pêndulo dentro de Pi, onde as polaridades interagem em um ciclo contínuo de evolução.
Assim, o aforismo taoísta sintetiza a jornada do cosmos: partindo da unidade primordial, passando pela polaridade e harmonia, e culminando na transcendência da ilusão dualista. Essa visão alinha-se com os princípios pitagóricos e teosóficos, que enxergam uma ordem cósmica subjacente à manifestação.
"A interconexão entre ciência e espiritualidade revela-se profundamente quando exploramos como diferentes tradições abordam a dualidade presente na natureza."
| Síntese - Hermérica e Lei da complementarieade |
O princípio da complementaridade, proposto por Niels Bohr na física quântica, postula que propriedades aparentemente opostas, como partícula e onda, são manifestações interdependentes de uma mesma entidade, revelando diferentes aspectos de uma realidade maior dependendo do contexto de observação. Essa visão científica encontra um paralelo direto no princípio hermético da polaridade, que afirma: "Tudo é dual; tudo tem dois polos; tudo tem o seu oposto". Ambos destacam que os opostos não são mutuamente exclusivos, mas extremos de um mesmo continuum, onde sua essência subjacente é una.
Na física quântica, a manifestação de um elétron como partícula ou onda é determinada pelo tipo de observação realizada, ilustrando que as polaridades coexistem em um estado de potencialidade até que um contexto as defina. De forma semelhante, o hermetismo reconhece que polaridades como luz e escuridão, masculino e feminino, ou ser e não ser, são expressões interconectadas de uma mesma realidade essencial.
Essa ideia é representada pela fórmula hermético-física: o círculo simboliza a interação dinâmica entre os opostos (O1 e O2), enquanto o ponto central (R) simboliza o equilíbrio e a unidade. As setas demonstram o fluxo contínuo entre os polos, traduzindo a coexistência das polaridades como expressões diferentes de uma mesma essência.
"Eu reverencio Ardhanarishvara, Aquele que é metade mulher e metade homem,
Que é a essência de toda criação, O equilíbrio de poder e compaixão,
A união que transcende todas as dualidades."
| Trecho do Hino - Ardhanarishvara Stotra |
A figura de Ardhanarishvara, que une o masculino e o feminino em um único corpo, simboliza a transcendência da dualidade e a compreensão de que todas as polaridades são ilusões de Maya, a manifestação dualista do mundo sensorial. Essa ideia reflete o princípio hermético da polaridade, que ensina que os opostos são extremos de uma mesma realidade essencial, assim como os conceitos pitagóricos e teosóficos afirmam que a Mônada, ao desdobrar-se na Díade e na Tríade, gera o cosmos.
Psicologicamente, o pensamento dualista — como o conflito entre luz e sombra ou razão e emoção — aprisiona a mente em ilusões. Já o pensamento harmônico e transcendente permite integrar esses opostos e acessar uma consciência superior. Na física, a complementaridade de onda e partícula demonstra que a realidade é mais unificada do que aparenta, apontando para um significativo propósito além das aparências.
O reconhecimento da unidade por trás da dualidade nos eleva a um estado de harmonia e conexão com o divino, onde a ilusão de separação desaparece. Nesse estado, a verdadeira natureza do Ser se revela, permitindo que a consciência transcenda os limites de Maya e alcance o infinito.
Referências conceituais:
Psychology and Alchemy - Collected Works of C.G. Jung
The masters and the path - Charles C. W. Leadbeater
Pythagoras and Early Pythagoreanism - Cornelia Johanna de Vogel
Iamblichus: On the Pythagorean Life - Vol 8 (by - Guillian Clark)
Isis unveiled - Helena P. Blavatsky
The Secret Doctrine - Helena P. Blavatsky
Corpus Hermeticum - Hermes Trismegistus
Freemasonry and the enlightenment - James Stevens Curl
Tao Te Ching - Lao Tzu (by - Richard Wilhelm)
Brihadaranyaka Upanishad - Shankara Bhashya (by Swami Madhavananda)
Kybaillon - Tree iniciates